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Meio de Comunicação anos 50
Meio de Comunicação anos 50

 

Memórias do Grama dos anos cinquenta

Meios de comunicação

Francisco de Assis Braga

Em época de Internet, TV a cabo, celulares, I-Pads e , temos de convir que as comunicações, nos anos cinquenta, eram muito mais pobres e precárias. Resumiam-se à imprensa escrita e ao rádio, uma vez que a TV existia apenas nas grandes cidades.

Os jornais vinham, predominantemente, do Rio de Janeiro e, subsidiariamente, de Belo Horizonte e outras cidades, como Manhumirim e Juiz de Fora.

Do Rio, chegava ao Grama O Jornal, órgão líder dos então chamados Diários Associados, cadeia jornalística de propriedade de Assis Chateaubriand, e que se esfacelou após sua morte, ocorrida nos anos sessenta, e o Correio da Manhã.

Deviam ser buscados na agência dos correios de Chichica e Oscar, pois o Grama, então, não tinha carteiro. Vinham de trem até Rio Casca, onde.

Olívio Correio os ia buscar, viajando na carroceria do caminhão de Zizinho Brandão, dirigido, primeiramen-te, por Levindo, e, depois, por Cirilo. Demandavam cerca de três dias ou mais para chegarem às mãos do leitor.

O Jornal era apenas razoável, tendo como ponto forte o noticiário de esportes, com uma coluna assinada por Zé de São Januário. O responsável pela coluna era vascaíno, mas suas notícias, engenhosa-mente expostas e com bom grau de credibilidade, eram muito apreciadas pelo rubro-negro Kolinha.

Dos dois periódicos, o Correio da Manhã era, sem dúvida, o melhor. O jornal era de propriedade de Paulo Bittencourt, vinha desde finais do século XIX, era combativo, tinha opinião própria e formato moderno. Grandes colunistas passaram por ele.

Do Correio da Manhã tenho boas recordações. Uma delas ocorreu por volta de 1955. Naquela época, a maioria dos jornais editava uma espécie de Almanaque, brochura com cerca de 400 páginas ou mais, onde se resumiam e eram comentados os principais fatos do ano anterior. Certo dia, encontrei no cômodo da venda de meu pai o exemplar relativo a 1954. Como já tinha nove anos e sabia ler alguma

coisa, decidi enfrentar o calhamaço. E foi lá que, pela primeira vez, li extensos comentários sobre a Co-pa do Mundo de 1954, realizada na Suíça, na qual a equipe de maior sucesso foi a da Hungria, time poderoso e chamado por Nelson Rodrigues de o scratch húngaro. Nele jogavam gênios da bola como Puskas, que, mais tarde, fugiu do país e foi jogar no Real Madrid, Kócsis, Hidjeguti e muitos outros. Bateram o Brasil nas quartas de final por 4x2, em jogo que acabou em pancadaria no vestiário, da qual participou até nosso técnico, Zezé Moreira. Nilton Santos foi expulso. Como não havia TV, as pessoas por aqui apenas ouviram o jogo pelo rádio, e, nos meses seguintes, surgiu na imprensa brasileira a onda de que a seleção tinha sido mais uma vez esbulhada e o culpado era o juiz do jogo, um inglês chamado de Mr. Ellis.

Outra lembrança que tenho do Correio da Manhã foi que, em 31 de março de 1964, o jornal publicou editorial de primeira página, com o título de Basta !, Pedindo a saída de Jango do poder. Mas, depois, iniciadas as arbitrariedades militares, o jornal assumiu posição decidida em favor da lei e do direito e do restabelecimento da democracia no país, postu

ra que acabou por determinar seu fim, em lenta agonia, causada pela suspensão da publicidade oficial. O jornal resistiu, com páginas minguadas, até final dos anos sessenta, trocou de dono, mas não houve jeito: pereceu.

Outros órgãos de imprensa que chegavam ao Grama eram as revistas O Cruzeiro, Manchete e Manchete Esportiva.

O Cruzeiro era algo como que a Veja da época. Chegou à tiragem de 800.00 exemplares semanais, algo que, então, era verdadeira façanha. Lembro-me de que, iniciada a semana, ficávamos, muitos de nós, esperando pela chegada da revista, para lermos cessões tais como O Amigo da Onça, o artigo de David Nasser, as charges de Millor Fernandes, então mui-to jovem, as garotas (seção de moda) do Alceu, o noticiário político e as crônicas de Austragésilo de Athayde, membro da Academia Brasileira de Letras. Rachel de Queiroz também aparecia por lá.

Embora não me lembre do ano, O Cruzeiro mandou David Nasser a Urucânia para fazer matéria sobre Padre Antônio, cuja fama de santo corria o país. Quanto ao Amigo da Onça, muito apreciado pelos leitores, era de autoria do humorista Péricles, que 5

Ironicamente, se matou num quarto de hotel, nos anos sessenta. Dizia-se, na época, que ele teria morrido de solidão.

A revista Manchete era muito bem feita e ilustrada com profusão de fotos, mas tinha pouco conteúdo. Já a Manchete Esportiva era ansiosamente esperada todo início de semana, pois trazia o que ocorrera nos campeonatos em jogos de sábado e domingo. Nela escrevia o célebre Nelson Rodrigues, que tinha seção intitulada Meu Personagem da Semana. Em 1957, após a goleada de 6 x 2 que o Botafogo impôs ao seu Fluminense, na decisão do campeonato, em jogo no qual Paulo Valentim fez 5 gols e Garrincha, um, Nelson começou sua crônica dizendo; "Amigos, se me perguntassem, ontem, quem era Paulo Valentim, eu teria caído na maior das perplexidades. Após o jogo, porém . . ." e passou a chamar Valentim de gênio.

Se me permitem breve interrupção, penso que a garotada de hoje deveria ler Nelson Rodrigues. Ele morreu nos anos oitenta, mas sua obra está toda publicada. É considerado, por muitos, o maior dramaturgo brasileiro do século XX. Foi o rei da linguagem coloquial, que dominava como muitos. Tinha

Coluna no jornal Última Hora (que não existe mais, pois apoiou Getúlio e Jango), intitulada de A vida como ela é. Aí, em metade da página do jornal, e todos os dias da semana, com exceção do domingo, ele publicava estórias da vida carioca que, devida-mente trabalhadas, permitiriam a produção de um livro. Tal era seu poder de síntese.

Outros órgãos de imprensa que chegavam ao Grama era O Lutador, jornal de Manhumirim, fundado pelo Pe. Júlio Maria para combater os protestantes da região da Mantiqueira. O Pe. Júlio Maria foi e os protestantes ainda estão lá. Tínhamos, também, O Lar Católico, editado em Juiz de Fora, e também A Voz de Rio Casca, do qual nunca mais ouvi falar.

De Belo Horizonte vinha pouca coisa; afinal, a vida cultural do Grama orbitava em torno do Rio de Janeiro, não só por causa do rádio mas, também, pela ligação ferroviária. Quem não se lembra da famosa Leopoldina Railway ? De BH, recebíamos poucos exemplares do Estado de Minas e de O Diário, jornal católico com bons articulistas mas pessimamente editado, de difícil leitura. Quando das eleições de 1955, com Juscelino vencedor por cerca de 150.000 votos (que as más vozes, por exemplo, de Carlos La-7

cerda, diziam ser votos de comunistas), O Diário trazia os resultados das urnas por cerca de dois meses seguidos, em evidente sintoma de atraso na contagem, pois, hoje, com a votação eletrônica, praticamente no mesmo dia ou no dia seguinte temos os resultados finais.

Mas o principal meio de comunicação daqueles anos dourados era, sem nesga de dúvida, o rádio. Rádios da época da válvula (o transistor veio mais tarde), com aparelhos imensos, geralmente em caixas de madeira e com potentes alto-falantes (vi no Houaiss e tem hífen, sim) que se ouviam à distância.

A estação mais importante era a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Os programas de auditório eram, primacialmente, seu ponto forte. Havia um, na quinta-feira, comandado por Manoel Barcelos e onde pontificava a cantora Marlene; outro, aos sábados, sob a batuta de Cesar de Alencar, começando às 15:00 e terminando às 19:00 (quando tinha início A voz do Brasil), que era finalizado de forma apo-teótica com a participação de Emilinha Borba; e, por fim, o terceiro, aos domingos, dirigido por Paulo Gracindo, que ainda não tinha sido descoberto co-mo ator de novelas, e que tinha como artista princi-

pal Ângela Maria, tida por alguns críticos como a mais talentosa das três, embora Emilinha fosse a mais carismática.

De Ângela me lembro da música que ela fez para o dia das mães, onde dizia que tinha "encontrado a mãe com o avental todo sujo de ovo. . ."; de Emilinha, chamada por Cesar de Alencar de "a favorita da Aeronáutica", lembro-me de muitas. Numa de-las, ela dizia: "Menina vai, com jeito vai, se não um dia a casa cai . .. ." A expressão "a casa cai" denotava o deslize sexual, algo de escandaloso na época.

Os programas de auditório eram frequentados por verdadeira plêiade de cantores/as, cujas músicas se difundiam por todo o país em discos de vinil de 78 rotações; depois, nos famosos long-plays.

Os nomes eram muitos, valendo citar alguns deles: Francisco Alves, chamado de "O Rei da Voz ", que morreu em acidente de carro, na Dutra, em 1952, famoso pela estrofe "Adeus, adeus, adeus, cinco letras que choram, num soluço de dor"; Orlando Silva, conhecido como "o cantor das multidões";Emilinha, Marlene, Ângela Maria, Dircinha Batista, Adelaide Chiozzo, Nora Nei, Dolores Duran, Francisco Carlos, Nelson Gonçalves, Jamelão, Jackson do Pan-

deiro e Almira Castilho, etc. Um deles, por ser muito escuro, era chamado de Blackout. Outro, Jorge Gou-lart, tinha música que muito me agradava e que dizia: Eu sou o samba, natural daqui do Rio de Janeiro . . .. Não posso me esquecer de Ivon Cury, com músicas deliciosamente engraçadas. Numa delas, ele contava ter morado numa pensão onde a dona só oferecia feijão nas refeições. Então, ele cantava: Feijão, feijão, feijão era só feijão, feijão. Domingos e feriados variava a refeição, vinham ovos estrelados e sobremesa de feijão. . .

E também nos programas de auditório é que eram lançadas as músicas do carnaval do ano, todas elas escritas com muita arte e poesia, tingidas pelo humorismo carioca, e não do modo como se faz hoje.

Uma delas dizia, referindo-se a Adão e Eva:

A história da maçã é pura fantasia,

Maçã igual àquela o papai também comia,

Adão estava com fome e comeu da tal maçã,

Comeu com a casca e tudo não deixando nem semente . . .

E, em outra, o cantor dizia:

Comprei um lote de terreno à prestação,

O moço disse que era perto da estação,

Andei, andei a pé,

O terreno é uma lagoa cheia de jacaré.

Quando Getúlio Vargas, não mais o jovem tenente de 1930, voltou, nas eleições de 1950, houve música de carnaval cujo refrão era: Bota o retrato do velho outra vez . . . Talvez os jovens de hoje não saibam, mas Getúlio, a despeito de ter sido ditador e de detestado pela grande imprensa, era adorado pelo povo. Quando jovem, foi estudante em Ouro Preto.

E a poesia continuava, como quando se disse que o cantor estava distraído, "pisando em estrelas", ou, então, quando surgiu a idéia de pintar as favelas de amarelo, alguém cantou: Favela amarela, ironia da vida . . .

O programa de calouros tinha como título A hora do pato (quando o calouro errava, ouvia-se o grasnar de um pato) e era comandado por Jorge Cury; o principal programa de notícias era o Repórter Esso, na voz de Heron Domingues. Foi criado durante a 11

segunda guerra, para transmitir notícias do ponto de vista dos aliados. Não se sabe por que ganhou tanta notoriedade, pois, apresentado três vezes ao dia, durava nada mais do que cinco minutos.

O programa humorístico de maior repercussão era o Balança, mas não cai, onde pontuavam nomes como Paulo Gracindo (o primo rico). Dentre os que escreviam o programa, um foi o Castro Barbosa. Zé Trindade, que, salvo equívoco meu, atuava mais na Mayrinck Veiga era humorista de primeira classe, com sua voz debochada repetindo sempre o bordão: Mulheres, cheguei . . .

Ainda na Rádio Nacional, nos dias de semana, às três da tarde, era lida a crônica intitulada O drama de cada um, na voz de Cesar Ladeira. E, na programação esportiva, estavam presentes Jorge Cury e Oswaldo Moreira, com a novidade que cada um narrava o jogo enquanto a bola estava em determinado meio-campo; quando ultrapassava a linha divisória, um dos locutores se calava e o outro passava a narrar, tudo sem erros ou atropelos. Os comentários eram de Antônio Cordeiro.

Jorge Cury, uma das vozes mais bonitas do Brasil, teve dois irmãos célebres: Ivon Cury, de quem já fa-

lei, e Alberto Cury, que trabalhava para a Agência Nacional e foi o homem que leu para o país o texto do célebre AI-5, em 13 de dezembro de 1968. Cury era natural de Caxambu, e, próximo de sua cidade, bateu o carro, estranhamente, num poste, e morreu.

As novelas da Rádio Nacional eram famosas e tinham grande audiência. Começaram a ser difundidas em 1941.

Nos anos cinquenta, eu era fã de duas novelas: Jerônimo, herói do sertão, e O Anjo. O grande escritor de novelas se chamava Moisés Weltman. Até hoje, me surpreendo com o modo pelo qual minha imaginação se prendia à narrativa de novela radiofôni-ca, onde apenas se ouviam vozes e a música de fundo, mas nada se via.

Quando a Rádio Nacional foi criada, em 12 de setembro de 1936, a transmissão teve início às 21 honras, com a voz de Celso Guimarães, que anunciou: "Alô, alô Brasil! Aqui fala a Rádio Nacional do Rio de Janeiro!". Depois, vieram os acordes de "Luar do Sertão" e uma bênção do Cardeal da cidade.

Tornou-se um marco na história do rádio brasileiro. Até 1975, operava em 980 kHz e, desde então, opera na faixa de 1130 kHz, com o prefixo ZYJ-460.

Inicialmente uma empresa privada pertencente às Organizações Victor Costa, foi estatelada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas em 8 de março de 1940, que a transformou na rádio oficial do Governo brasileiro.

Mais interessado no poder e na penetração do rádio como instrumento de propaganda, o Estado Novo permitiu que os lucros auferidos com publicidade fossem aplicados na melhoria da estrutura da rádio, o que permitiu que a Rádio Nacional mantivesse o melhor elenco de músicos, cantores e radio atores da época, além da constante atualização e melhoria de suas instalações e equipamentos.

Em 1941, a Rádio Nacional apresentou a primeira radio novela do país, "Em busca da Felicidade" e, em 1942, inaugurou a primeira emissora de ondas curtas, fato que deu aos seus programas uma dimensão nacional, penetrando até a Amazônia.

Além da Rádio Nacional, destacava-se também a Mayrinck Veiga, com programas de esporte, na voz

de Braga Júnior, e humorísticos. Lembro-me de programa divulgador da coqueluche da época e que se intitulava Hoje é dia de rock, na voz de Jair de Taumaturgo. Era época de Elvis Presley (Yellow bikini) e, no Brasil, de Tony e Celi Campelo (Toma um banho de lua, fica branco como a neve . . .). Os jo-vens de hoje que me desculpem, mas o rock da época de Presley e de Celi Campelo era muito superior ao nosso heavy metal.

Nos anos sessenta, a Mayrinck Veiga caiu sob o poder de Brizola, que nela fazia longas perorações sobre seus planos de conseguir o poder no Brasil, e eu o ouvia pacientemente, por vezes até além da meia-noite. Com o golpe de 1964, a Mayrinck Veiga foi gravemente ferida, não sendo eu sabedor de se ela ainda existe ou não.

Havia, também, a Rádio Mundial, que, depois, passou a ser dominada pela Legião da Boa Vontade, do Alziro Zarur. Mas nos anos de glória, a Mundial tinha locutor esportivo muito engraçado, de nome Raul Longras, e sua graça estava em que, nos lances de perigo, dentro da grande área, ele gritava "fulano passou para cicrano e este Pimba !!!", e nin

guém sabia o que tinha acontecido, se a jogada redundara em gol ou não. Só depois ele esclarecia.

Outro grande locutor esportivo da época, e que trabalhava para a Rádio Tupi, era Oduvaldo Cozzi, homem de voz maravilhosa e de extrema elegância ao narrar o jogo. No Grama, nas segundas-feiras, quem passasse pelo Largo da Matriz, por volta de meio dia, ouvia a voz de Cozzi ecoando por toda a praça, vinda de rádio existente na alfaiataria do Zé Sacristão, com os alfaiates, dentre eles o Paulinho de Maé, ouvindo, prazerosamente, os comentários e principais lances dos jogos de domingo do campeonato carioca. A maioria dos torcedores era do Vasco da Gama, esclareça-se, mas Kolinha, sozinho, a todos eles enfrentava com a verve e a calma habituais. No início de 1956, quando, terminando o campeonato carioca de 1955, o flamengo bateu o América e foi tricampeão, Kolinha mandou preparar grande faixa que pendurou na então Casa Paroquial, em construção, e que dizia: Isto faz uma inveja !

As notícias e fofocas sobre o mundo do rádio eram lidas na Revista do Rádio, de leitura tão assídua e

generalizada que chegou a ser até tema de música de carnaval.

Em 1958, pela primeira vez vi uma TV funcionando, em Belo Horizonte. Anos depois, ela chegaria ao Grama e o rádio se eclipsaria, mas não morreria, pois vivo está até hoje.

Próximo capítulo: O Grama e os tropeiros.

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