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Anos de Grupo Escolar
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Memórias do Grama dos anos cinquenta (IV)

Anos de Grupo Escolar

Francisco de Assis Braga

Ao iniciar a rememoração dos anos de curso primário, no saudoso Grupo Escolar Mariano Gomes, sinto-me tomado de tão grande emoção que não resisto à tentação de repetir os versos do poeta:

 

Oh! que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais!

 

Meu curso primário teve início em 1953, completados os sete anos que então eram exigidos. As aulas tinham início no mês de março, ainda em época de chuvas, e lembro-me de que, muitas vezes, ao voltar para casa, as águas de enxurrada ainda corriam pela calçada do Dita Bayão, única nesga de rua calçada com pedras grandes no Grama de então.

Ainda não existia o nome de Grupo Escolar, mas, sim, de Escolas Reunidas. A denominação de Grupo Escolar veio apenas com o Decreto 4.643, de 04 de julho de 1955, do governador Clóvis Salgado, segundo informa Wânia Lopes.

Em breve intercurso pela política, digamos que Clóvis, em 1955, era o vice-governador, mas tinha se tornado governador em exercício, dado o licenciamento de Juscelino Kubitschek, então em campanha eleitoral vitoriosa para a Presidência da República.

Em 1955, o Grupo Escolar recebeu o nome de Mariano Gomes, gramense de grandes atributos intelectuais.

 Mas voltemos a março de 1953. Eu tinha sete anos e alguns meses. Naquele ano, o governador do Estado era Juscelino, o Presidente, Getúlio Vargas, que, no ano seguinte, se mataria; foi nesse ano que o Grama se emancipou de Rio Casca – sobre tal efeméride falarei em outro capítulo -; e o Flamengo, quebrando jejum que vinha desde 1945, foi o campeão carioca.

Minha primeira professora foi Mariza Lopes, que depois seguiu a vida religiosa e se tornou freira. Além de competente, eu a achava muito bonita, e, certa feita, fiquei tão impressionado com uma blusa que ela usava que fiz comentários elogiosos, levados, não sei por quem, a Dona Carmelita Lopes, que julgou tudo muito engraçado.

O ensino, até onde me lembro, era de bom nível, talvez melhor do que o de hoje, quando ouço que alunos, mesmo sem terem sido aprovados, são promovidos de uma série a outra. É o progresso apenas por frequência, e, com tal expediente, nosso país não seguirá os rumos de outros mais bem sucedidos na área, como Coréia, Chile e Finlândia (o país da Nokia dos celulares), e permaneceremos como o país dos analfabetos funcionais, eterno exportador de commodities.

Aprendi muito já nos primeiros meses. Era necessário decorar a tabuada e existia Caderneta de Pontos que era religiosamente preenchida e exigida por ocasião dos exames escrito e oral. Sim, prezado leitor, existia exame oral ! E os exames escritos eram feitos de forma discursiva, não na base dos testes de múltipla escolha que, depois, oriundos dos cursinhos, infestaram o ensino no Brasil, desobrigando os alunos de pensar e escrever.

O prédio, velho e respeitável prédio que, embora eu não saiba ao certo, devia ser do início do século ou talvez de finais do século XIX, estava localizado no início da então chamada Rua Pe. João Coutinho. Para quem o olhava de frente, tinha, nos fundos, a casa de Chico Damas; do lado esquerdo, a venda o Sr. Maé (homem bom, sempre bem humorado, acompanhante perene de enterros, de quem quer que fosse); do lado direito, o bar do carinhosamente chamado Mané Zabé, e, defronte, do outro lado da rua, a loja do eterno chico Moreira, onde comprávamos os cadernos e lápis; ali,  vi, pela primeira vez, uma radiola Hi-Fi, que tocava vários discos, novidade absoluta na época e hoje velharia de museu.

A hora do recreio era esperada com ânsia, e, por morar não muito longe, às vezes eu ia e voltava correndo de casa. Ficava tão vermelho que, certa feita,  o Alaor me pôs o apelido de “peru”.

Aproveitando do intervalo do recreio, por vezes eu ia até o Bar do Mané Zabé e ficava impressionado de ver o Caturrinha, então muito jovem, literalmente afundado na página de esportes de jornal do Rio, acompanhando as peripécias do campeonato carioca. Caturrinha mais o Arthur eram dos poucos gramenses que torciam pelo Botafogo, que, em 1953, não tinha um grande time, algo que só ocorreu depois que compraram Didi, do Fluminense, e, mais tarde, já em 1957, quando, tendo adquirido Paulo Valentim do Atlético Mineiro, a estrela de Garrincha começou a brilhar, e naquele ano de 1957, em final histórica, enfiaram um 6 x 2 no então forte Fluminense de Castilho, Cacá e Pinheiro. Telê  jogava na meia ou na ponta direita, e, de tão magro, mas batalhador, era chamado de o “fiapo da esperança”.

Minha segunda professora foi Lygia Brettas, muito contida; a terceira, Águida Gomes Moreira, filha do Sr. Nico, bastante comunicativa e afável, e, por último, Edna Gomes Eugênio, filha do Sr. Ângelo, e a mais competente de todas, em minha fraca e falível opinião. Edna era mulher muito esperta, de sorriso cativante, sempre disposta a poiar o aluno. Nunca me esqueço de que, depois de voltar de Ponte Nova, no início de 1957, e tendo sido aprovado no exame de admissão ao curso ginasial (sim, na época, havia uma espécie de vestibular para o curso então chamado de ginasial !), ela me procurou para se congratular. Fiquei orgulhoso de ter sido cumprimentado por minha professora !

Ás vezes, fico cismando: - por onde andarão todas elas ? A Mariza é Irmã da Ordem Salesiana, e tenho mandado estes textos para ela, via e-mail; mas por onde andarão a Lygia, a Águeda e a Edna ? Onde estarão os filhos e filhas do Sr. Ângelo, que papel tão grande teve no desenvolvimento de nossa cidade ?

Quanto a isso, permitam-me um parêntesis. Por estarmos dispersos, sugiro ao Cláudio, responsável pelo Grama Notícias, que crie espaço intitulado “Por onde andas ?”, onde cada gramense ausente poderia, em poucas linhas, dizer algo de sua biografia, em que se tornou e onde mora.

Ao falar do curso primário, não posso me esquecer de dona Carmelita Lopes, mulher de personalidade  forte, disciplinadora (e, claramente, jovens precisam de disciplina !), líder inconteste e que desempenhou papel importantíssimo na formação cultural de gerações de gramenses. Foi com justa razão que deram seu nome a uma das ruas de nossa cidade !

De meus colegas de curso, lembro-me do José Edson, filho do Sr. Ângelo, do Alaor de Glicério, do José Edmundo, filho do Joanito, do Manoel, filho do Dita . . .bem, não consigo me lembrar de todos.

Das alunas, consigo me lembrar de Maria Januária, muito inteligente, e também de cena inesquecível que se via, após as aulas, quando Maria das Graças Russo e Leda Bayão subiam para suas casas, devidamente uniformizadas de azul e branco e sorvendo delicioso picolé, comprado no bar do Mané  Zabé.

Na época, as professoras auxiliavam o Padre Russo na catequese dos alunos, e recebíamos treinamento intensivo, decorando o catecismo tridentino, então em uso pela Igreja Católica. No final do treinamento, havia torneios para se decidir quem acertava mais respostas decoradas. Algumas das perguntas eram: “- És cristão ? Sim, sou cristão pela graça de Deus. – Qual é o sinal do cristão ? – O sinal do cristão é o sinal da Cruz. O que é a Fé ? A Fé é dom gratuito de Deus, que nos faz crer naquilo que não vemos e a manter a esperança da vida eterna”. O decorar o catecismo pode ser prática de ensino condenada nos dias de hoje, quando se ensina o saber reflexivo, mas devo confessar que nas crises de fé que nos acometem a todos nós, no perambular pela vida, o conteúdo que foi decorado é forte peça de resistência às insídias do agnosticismo e da descrença !

Ah, ia me esquecendo: no dia da árvore, plantávamos uma delas em algum lugar da cidade, e, em sala de aula, decorávamos e recitávamos o famoso soneto de Olavo Bilac que fala das “velhas árvores”. Bilac era muito apreciado naqueles tempos, e de um de seus sonetos, referindo-se à língua portuguesa eu ainda tenho de cor pelo menos a primeira estrofe. Ei-la:

 

Última flor do Lácio, inculta e bela,

És a um tempo esplendor e sepultura,

Ouro nativo que na ganga impura

A bruta mina entre os cascalhos vela.

 

O forte de Bilac eram o vocabulário e as rimas, os famosos versos alexandrinos. Mais tarde, no ginasial, aprendi a apreciá-lo ainda mais, hábito que se manteve até o dia que, já em São Paulo, entrei em contato com os versos de Fernando Pessoa. Então, Bilac se esfumou nas brumas de um passado remoto.

- Mas e terminado o então (hoje, a denominação é outra) chamado curso primário, como prosseguir ?

Bem, naqueles tempos longínquos, o Grama não tinha colégio, fato comum a muitas cidades vizinhas (São Pedro dos Ferros, Abre Campo, Raul Soares, etc.), de modo que o jeito era se mandar para outras plagas. E foi assim que, em 1957, me mandei para o internato do Colégio D. Helvécio, em Ponte Nova, assunto que ficará para um próximo capítulo.

Próximo capítulo: O Grama e as notícias. Como funcionava a mídia de então ?



 Vide Domingues, J. Henrique, Memória Histórica de Santo Antônio do Grama, Editora folha de Viçosa, 1996, p. 204.

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